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“LIVRO DE VOZES E SOMBRAS”
Comentários ao livro por Manuel Esteves
É o título da obra mais recente de João de Melo (D.Quixote-JUN.2020).
É um romance, e grande parte do enredo, que evolui num ambiente de grande realismo factual, passa-se nos Açores, no pós-25 de Abril. Mais precisamente no tempo e no quadro em que beneficiários do fascismo, de braço dado com a representação diplomática dos EUA, recorreram à violência e à ameaça separatista, para tentarem impedir que a Revolução dos Cravos se implantasse no arquipélago, e lhes beliscasse os privilégios que o regime deposto lhes havia facultado.
Foi nesse ambiente agreste e ameaçador, que militantes sindicais açorianos, organizados na CGTP-Intersindical Nacional, enfrentaram com coragem e patriotismo, o terrorismo da FLA e quejandos. E, com o rigor histórico que a sua experiência lhe permite, João de Melo descreve com factos, como essa luta em defesa dos interesses dos trabalhadores açorianos foi, também, um combate em defesa da soberania nacional.
Outro apontamento no livro que é indispensável sublinhar, é a descrição, pormenorizada e carregada de dignidade, do episódio protagonizado por Salgueiro Maia contra arruaceiros a soldo do fascismo separatista, num café por estes frequentado, e ponto de apoio para as suas “façanhas”. É que o desfecho deste acontecimento, juntamente com o que foi o exemplo da atuação dos sindicalistas, demonstraram duas coisas:
1 - Que, enquanto durou, o MFA e os representantes dos trabalhadores estiveram, no fundamental, na mesma barricada e a enfrentar os mesmos inimigos; e
2 - Com vontade política do então governo português, o terrorismo fascista nos Açores teria sido rapidamente neutralizado sem dificuldade de maior.
Mas “Livro de Vozes e Sombras” é muito mais, mas mesmo muito mais, do que as pequenas notas que acima mencionámos, apenas para dar notícia da sua existência. E não se deixa confinar pelo mar dos Açores: o arquipélago português e as suas gentes surgem-nos, acertada e coerentemente, inseridos na atribulada situação vivida pelos povos português e das colónias, na fase derradeira do colonial-fascismo.
Quando se aproxima o 45º. Aniversário duma importante conquista da Revolução - a aprovação pela Assembleia Constituinte, da Constituição da República Portuguesa
(02.04.1976) - a obra de João de Melo, com pinceladas de escrita a fazerem lembrar, por vezes, o Realismo Mágico de autores sul-americano, reflete com arte e veracidade lances e ambientes decisivos da nossa vida coletiva nesses tempos.
Manuel Esteves
Sinopse
Cláudia Lourenço, jornalista, é enviada de Lisboa à ilha de São Miguel ao serviço do Quotidiano. Tem por missão entrevistar um conhecido ex-operacional da Frente de Libertação dos Açores e reaver a crónica do independentismo insular durante a Revolução. Depara-se-lhe um homem-mistério, voz e sombra do jogador, das suas verdades que mentem, das suas mentiras que dizem a verdade. Ela, que pertence à «geração seguinte», não parece ter memória histórica do país de então: vive no de agora, e o passado é um território longínquo, cuja narração flui no interior de um imaginário algo obscuro.
A história da FLA (e a da FLAMA, na Madeira) comporta em si o «país de todos os regressos»: a Ditadura, o fim das guerras em África, a descolonização e o «retorno» à casa europeia pelos caminhos de volta, os mesmos que levaram as naus a perder-se nos mares da partida. O país que a si mesmo se descoloniza vibra na exaltação revolucionária. E é dos avanços e recuos dessa Revolução que nasce a tentação separatista do arquipélago.
Na longa e secreta entrevista ao homem da FLA, a jornalista vê-se enredada numa história de logros políticos, compadrios, interesses de propriedade, conluios estrangeiros e outros equívocos do movimento separatista, onde não há lugar para as vítimas da FLA, nem para o desamparo dos «regressantes» de África. Mas Cláudia Lourenço encontrará maneira de lhes dar voz.